O procurador-geral da República, Paulo Gonet, encaminhou nessa noite, de 18/02, denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro pela suposta tentativa de golpe de Estado em 2022. O procurador viu evidências e reuniu provas, que encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF), em 272 páginas a serem analisadas e, se a denúncia for aceita, o político do PL se tornará réu. Bolsonaro teve a companhia de outros 33 indiciados, dentre eles o general e ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio de Oliveira, o candidato a vice-presidente em sua chapa, o general e ex-comandante do 1º Exército, Walter Braga Netto, o também general Mário Fernandes, que chegou a ocupar como interino o cargo de Secretário Geral da Presidência e o ex-ajudante-de-ordem Mauro Cid. Outro denunciado foi o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha.
Denúncia é uma acusação formal de crimes feita pelo Ministério Público à Justiça. Isso significa que, se o STF aceitar a denúncia, Bolsonaro passa a responder a um processo penal no tribunal, que segue o rito previsto em uma lei de 1990. A ação penal passará por coleta de provas, depoimento de testemunhas, interrogatório do réu, apresentação de defesas e, ao fim do procedimento, será julgada pelo tribunal, que pode condenar ou absolver o ex-presidente. Ao término da ação penal o tribunal vai analisar o conteúdo da acusação e verificar se ele deve ser condenado ou absolvido. Cabe recursos dentro do próprio tribunal.
O PGR localizou o início da tentativa de golpe de estado, cuja pena pode chegar a 38 anos de prisão, em 29 de julho de 2021, quando o ex-presidente fez os primeiros ataques, dentro do Palácio do Planalto, ao sistema eleitoral brasileiro e às instituições federais. Para Gonet, as tentativas de golpe foram num crescendo e culminaram em 8 de janeiro de 2023, quando os prédios públicos foram tomados de assalto e depredados, sob a anuência de Bolsonaro. Os ataques à democracia se iniciaram e foram se intensificando, assim que o ex-presidente Lula obteve a sua liberdade, constituindo-se ameaça à reeleição de Bolsonaro.
Por várias vezes, na TV 247, eu comparei o golpe engendrado por Jair Bolsonaro, para permanecer no poder, ao Bolero de Ravel, melodia considerada a obra prima de Maurice Ravel, composta no início do século 20, em que os contrabaixos iniciam com melodias fragmentadas, e, à medida que a música se desenvolve, outros instrumentos vão entrando, ao sinal da harpa, como os violinos, irrompendo ao tema principal. Seria artístico, se não fosse trágico e um criminoso ato contra a nossa democracia.
A denúncia é uma acusação formal de crimes feita pelo Ministério Público na Justiça. Um pedido de abertura de processo penal que, se iniciado, poderá levar à condenação ou absolvição dos envolvidos. Porém, diante da profusão de provas coletadas pela Polícia Federal, é bem difícil que os denunciados escapem de alguma condenação. O PGR entendeu que Jair Bolsonaro foi o chefe das sucessivas tentativas de golpe, visando o poder, transmitindo orientações aos demais participantes.
Ao apresentar a denúncia, o PGR segue critérios previstos em lei: expor os detalhes do crime que são conhecidos, identificar os acusados, dizer quais são os crimes a que eles devem responder e nomes de testemunhas a serem ouvidas, se for o caso. Uma vez protocolado o pedido da PGR na Corte, cabe ao ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, mandar notificar e abrir prazo para que a defesa do ex-presidente apresente resposta em 15 dias.
Resumo dos principais pontos da denúncia
A denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal acusa uma série de indivíduos (34), incluindo autoridades do alto escalão do governo federal e membros das Forças Armadas, de envolvimento em uma organização criminosa voltada para a perpetuação ilegal no poder e para a tentativa de golpe de Estado.
Principais acusações
1. Organização Criminosa (página 23)
• Liderada por Jair Messias Bolsonaro, a organização criminosa tinha como objetivo manter-se no poder por meio da contestação fraudulenta do processo eleitoral e de tentativas de mobilização de forças militares.
• O grupo era estruturado, com divisão de funções, contando com o apoio de setores militares e civis.
• A atuação se estendeu de 2021 a 2023, incluindo a preparação de um decreto presidencial para reverter o resultado eleitoral e a organização de atos golpistas.
2. Tentativa de Golpe de Estado (páginas 91-102)
• A denúncia aponta que os envolvidos articularam estratégias para deslegitimar o processo eleitoral de 2022, promovendo ações como a disseminação de fake news sobre fraudes eleitorais e a mobilização de órgãos de segurança para dificultar o acesso de eleitores a zonas de votação.
• Entre as medidas propostas estavam a assinatura de um decreto presidencial anulando o resultado eleitoral, a neutralização de autoridades públicas e a implementação de um novo processo eleitoral sob controle dos denunciados.
3. Atentado contra o Estado Democrático de Direito (páginas 28-29)
• A organização criminosa teria incentivado e facilitado a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
• Esse ato seria parte do plano para justificar uma intervenção militar e instaurar um regime de exceção.
4. Dano ao Patrimônio Público e Tombado (páginas 269-271)
• A destruição de bens da União, incluindo patrimônio histórico, foi apontada como parte das ações violentas promovidas pelo grupo.
• O objetivo era simbolizar a suposta ilegitimidade do governo eleito e criar um clima de instabilidade institucional.
Configuração dos Crimes (Autoria e Materialidade)
1. Crime de Organização Criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013)
Autoria:
• Jair Messias Bolsonaro: apontado como líder da organização, responsável por coordenar os ataques ao sistema eleitoral e articular o apoio militar.
• Walter Braga Netto: indicado como o segundo na hierarquia, atuando na cooptação de oficiais militares.
• Mauro Cid: servia como elo entre Bolsonaro e os demais membros da organização.
• Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e Almir Garnier Santos: ex-ministros militares, facilitaram a articulação da narrativa golpista.
Materialidade:
• Documentos apreendidos revelam planos de golpe, incluindo minutas de decretos para reverter as eleições.
• Registros de reuniões demonstram a estruturação da organização e a divisão de tarefas.
• Depoimentos de militares confirmam a existência de articulações para uma ruptura institucional.
2. Crime de Tentativa de Golpe de Estado (art. 359-M do Código Penal)
Autoria:
• Bolsonaro e Braga Netto: idealizadores do plano de golpe, convocaram reuniões e instruíram subordinados a não reconhecer o resultado eleitoral.
• Augusto Heleno e Anderson Torres: participaram da logística de desinformação e da tentativa de mobilizar forças policiais e militares.
• Silvinei Vasques (ex-diretor da PRF): instrumentalizou a Polícia Rodoviária Federal para dificultar a votação em redutos eleitorais adversos.
• Materialidade:
• Vídeos e discursos públicos nos quais Bolsonaro incentiva a desconfiança no processo eleitoral.
• Relatórios de inteligência indicando que comandos militares foram pressionados a aderir ao golpe.
• Interceptações telefônicas e mensagens mostrando tentativas de adesão de generais e policiais.
3. Crime de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do Código Penal)
• Autoria:
• Bolsonaro, Braga Netto e Paulo Sérgio Nogueira: lideraram tentativas de pressionar o Alto Comando do Exército para que impedisse a posse do presidente eleito.
• Mauro Cid e Filipe Martins: atuaram na produção e disseminação de conteúdos golpistas para mobilizar a população.
• Materialidade:
• Registros de encontros com militares nos quais se discutiu a possibilidade de decretar Estado de Sítio.
• Documentos apreendidos com estratégias de decretação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) para justificar o golpe.
• Relatórios de segurança interna indicando movimentações suspeitas em unidades militares.
4. Crime de Dano Qualificado (art. 163, parágrafo único, I, III e IV do Código Penal)
• Autoria:
• Manifestantes instigados pelo grupo denunciado, que agiram com anuência e estímulo de integrantes da organização criminosa.
• Materialidade:
• Relatórios da perícia indicam que os danos ao Palácio do Planalto, ao Congresso Nacional e ao STF foram premeditados.
• Análise de comunicações em redes sociais revela o incentivo ao ataque às sedes dos Poderes.
• Gravações de segurança mostram a inação deliberada de forças de segurança no controle da situação.
Conclusão:
A denúncia estrutura-se na identificação clara de um plano de golpe de Estado, executado por uma organização criminosa composta por militares, políticos e servidores públicos. As provas documentais, audiovisuais e testemunhais corroboram a materialidade dos crimes e a autoria dos denunciados. O caso envolve uma tentativa coordenada de deslegitimar a democracia e impedir a alternância de poder, mobilizando setores estratégicos para garantir a perpetuação de um grupo político no comando do país.