A vitória de Donald Trump nas eleições americanas reacendeu preocupações no cenário internacional, especialmente para o Brasil e outros países exportadores. Em entrevista nesta quarta-feira (6), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), destacou a “apreensão” provocada pelas promessas de campanha do republicano. Segundo Haddad, o impacto pode ser sentido não apenas no Brasil, mas em mercados emergentes e países desenvolvidos ao redor do globo. “O dia amanheceu, no mundo, mais tenso em função do que foi dito na campanha”, observou o ministro. Haddad, no entanto, ressaltou a importância de aguardar o início do novo governo e manter o foco na “casa” brasileira, reforçando a necessidade de preparar o país para possíveis turbulências externas.
“As coisas às vezes não se traduzem da maneira como foram anunciadas”, ponderou Haddad, lembrando que o discurso do candidato pode se diferenciar das ações de um presidente em exercício. Ele observou que o tom de Trump parece mais moderado após a vitória, o que pode indicar ajustes nas políticas propostas. Para o ministro, o Brasil deve seguir atento, porém fortalecido, para mitigar eventuais impactos. “Temos que cuidar da nossa casa, das finanças, da economia para ser o menos afetado possível, qualquer que seja o cenário externo”, completou.
A apreensão mencionada por Haddad se justifica. Analistas ouvidos pela Folha de S. Paulo alertam que, caso Trump mantenha suas propostas de campanha, o protecionismo americano pode ameaçar setores importantes da economia brasileira, como o agronegócio e a indústria de biocombustíveis. Dentre as promessas do republicano, destaca-se a elevação de tarifas para importações, com taxas entre 10% e 20% para produtos gerais, e até 60% para importações chinesas. Essa escalada tarifária seria especialmente preocupante para o Brasil, que encerrou 2023 com um déficit comercial com os Estados Unidos: US$ 36,9 bilhões em exportações frente a US$ 38 bilhões em importações.
Especialistas apontam ainda que setores como aço, alumínio e cobre já enfrentam dificuldades devido a medidas antidumping nos Estados Unidos. Para Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior, novos aumentos tarifários podem prejudicar outras áreas estratégicas, como a produção de autopeças e equipamentos fabricados no Brasil por multinacionais americanas. A desaceleração da economia chinesa, outro possível efeito do protecionismo americano, também preocupa. Como a China é um dos principais importadores de commodities brasileiras, a redução no comércio sino-americano pode trazer consequências indiretas ao Brasil.
Marcos Lélis, especialista da Unisinos, alerta ainda que, caso produtos asiáticos busquem novos mercados diante das barreiras americanas, a América Latina, onde o Brasil possui importante presença, poderia ser impactada pela competição com produtos asiáticos. Em um cenário de recessão global, o Brasil estaria vulnerável a esses efeitos indiretos.
Haddad reforçou que o Brasil já vinha se preparando para um contexto externo desafiador, adotando uma postura de cautela ao longo de 2023. “Dizia que era preciso ter muita cautela interna em virtude do que estava acontecendo no mundo”, afirmou, destacando a importância do apoio do Congresso para o sucesso de medidas de fortalecimento econômico.
Para o ministro, mesmo com a possibilidade de uma postura mais amena do novo governo americano, os próximos meses exigirão que o Brasil esteja atento e preparado. Ele acredita que algumas das propostas mais “exacerbadas” de Trump possam ser mediadas pela sociedade e pelo próprio sistema de governo americano, que pode moderar as intenções iniciais do presidente eleito. “A vida depois trata de corrigir algumas propostas mais exacerbadas, trata de moderar”, concluiu Haddad, enfatizando que o foco principal deve ser a solidez econômica do Brasil, independentemente dos rumos externos.